segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

TDAH, BIPOLAR, OPOSITIVO DESAFIADOR OU TRANSTORNO DE CONDUTA - NA CRIANÇA E NO ADULTO. COMO DIFERENCIAR?




TDAH, BIPOLAR, OPOSITIVO DESAFIADOR OU TRANSTORNO DE CONDUTA ...
COMO DIFERENCIAR ?
PODE SER MUITO DIFÍCIL EM ALGUNS CASOS...

* Carlos resolveu viajar e pediu a minha opinião(ele é portador de trastorno bipolar tipo I, com os sintomas em remissão por mais de um ano), queria saber se teria que continuar tomando "toda aquela remedada", se podia beber "só um pouquinho" e se tinha perigo dele "virar" na viagem...

* Ele já penou um bocado, já recebeu vários diagnósticos diferentes ao longo da vida, desde esquizofrênico à hiperativo, de mau caráter à marginal, de possuído a endemoniado e daí pra baixo.

... você lembra, né, que quando eu tava deprimido, "eles" (os pais) me olhavam como se eu fosse um chato, mal-humorado ou anti-social, mas quando eu tava "virado", "eles" me olhavam como se eu fosse um monstro, um possuído, um bandido, espertalhão e extremamente ativo pra fazer maldades. Eu nunca "dei uma a dentro" com "eles" mesmo (lágrimas corriam pelo seu rosto...). Mas eu tenho medo de enlouquecer de novo... Por enquanto tá tudo calmo aqui dentro de mim, mas de repente, sei lá, né, pode aparecer e eu tenho medo... o que você acha?

* Carlos fora diagnosticado por mim, quando eu era nada menos que a sua "enésima" psiquiatra. E na época, eu lhe dei o diagnóstico de transtorno bipolar tipo II (ele tinha história de ter tido virada maníaca com antidepressivo), muito embora ele estivesse muito agressivo, opositivo e impulsivo naquele dia... e muito embora ele já tivesse tentado o suicídio três vezes nos cinco anos anteriores... Hoje eu lhe daria o diagnóstico de Bipolar tipo I e transtorno de conduta e uso moderado de álcool...

* Eu notei os quatro cortes que ele tinha no corpo. Dois no pescoço e dois ou três nos pulsos. Sua história de vida tinha sido marcada por muita violência e maus tratos. Desde os seus dois anos de idade que ninguém aguentava com ele, nem as pessoas da creche e muito menos as professoras das escolas. Ele foi expulso da creche com dois anos. Trocava de escolinha todo ano. Fugiu de um semi-internato (colégio de padres) e ficou vagando na rua por uns cinco dias. E a família literalmente enlouquecida com ele. Eles diziam que ele tinha "puxado" a avó e um tio-avô, que moravam no interior de outro estado.

* Quando atendi a mãe, altamente deprimida, fiquei pensando em como teria sido difícil a convivência daquela família com o Carlos. O pai e o avô, dois generais bem radicais, tentaram de tudo para enquadrar o filho. Nada deu certo, só piorou a situação. O pai saiu de casa no aniversário de seis anos do filho, quando ele pegou a vela acesa do bolo e encostou no cabelo e no rosto da irmã... foi o caos. O pai conseguiu pegar a guarda da filha, para mais tristeza ainda, da mãe...

* Carlos não concluiu o ensino fundamental. Era "do mau", usava canivetes, alfinetes, soco inglês e não tinha culpa quando aterrorizava os professores. Apertava o pescoço do seu cachorro e achava graça, só soltava quando o pobre animal começava a desfalecer... Ele ria das maldades que fazia na escola, sempre me disse que tinha muito ódio dos professores e do diretor...

* Fazia questão de dizer que só estava indo na consulta por "pena" da mãe, mas que de uma hora pra outra ele ia sumir dali... (nunca entendi se ele queria dizer que sumir era ira largar o tratamento ou morrer...)e olhava pra minha cara e ria, ria, ... mas eu sempre ficava olhando nos seus olhos e sempre ficava muito séria...

* Ele me ameaçava, vivia dizendo que um dia ia acabar com a "belezinha" do meu consultório. Eu custei a tomar uma atitude diante de suas ameaças, mas um dia eu decidi. Eu disse a ele que procurasse outro médico pois eu não estava me sentindo em condições de ajudá-lo, ao contrário, estava servindo de "palco" para as suas atitudes cruel para comigo. E me levantei e abri a porta e pedi a ele que se retirasse.

* Ele engoliu seco, mas saiu de nariz empinado. Eu tranquei a porta e senti um enorme alívio! Só ali, eu percebi que eu tinha muito medo dele.

* Uma semana depois, ele me ligou dizendo que precisava falar comigo. Ele disse que se eu não falasse com ele, ele se mataria ali mesmo, onde ele estava, ou seja, em sua casa.

* Eu disse a ele que naqueles termos não haveria conversa. Pedi que ele pensasse e me ligasse um outro dia. E que ele era o único responsável pela vida dele.

* Dois meses e meio depois, sua mãe me ligou, pedindo que fosse até sua casa porque Carlos estava se mordendo, se ferindo todo e que não saía do quarto há dias e que nem se alimentava mais.

* Eu Fui. Obrigada pelos meus valores éticos e de solidariedade. Mas fui. A cena era patética. A casa lúgubre, uma penumbra, um cheiro fétido. Pedi a mãe que abrisse todas as janelas da casa.

* O quarto, um horror. Sangue e pele arrancada pra todo lado. Canecas ao chão, roupas, revistas e todo tipo de coisas havia ali. Carlos devia ter perdido uns oito a dez quilos. Deitado estava, ali ficou sem olhar pra mim. Não falou uma palavra sequer. Imediatamente, eu sugeri internação em virtude dele estar gravemente deprimido e a mãe aceitou. A ambulância foi pegá-lo em casa. O plantonista da clínica o acompanhou durante a internação, que levou quase seis meses. Eu não o vi mais, naquele período todo. Achei melhor não visitá-lo.

* Eu soube, pela mãe, que na internação ele havia "virado" e tentado se matar (dentro da clínica) com fios de cadarço que ele pegava nos quartos e com um cinto que ele roubou de um médico. Segundo a mãe, ele arrumou "droga" (cocaína) com um outro paciente e ainda piorou mais as coisas pra ele.

* Dois anos se passaram e do nada - ele marcou uma consulta comigo. Pra resumir, ele estava procurando tratamento "de verdade" e queria tomar remédio. E demonstrava sentimento e vontade de sair do fundo do poço... Pela primeira vez eu senti que ele estava sendo sincero em relação ao tratamento...

* E de fato, ele seguiu o tratamento certinho, como segue até hoje. E agora, ele quer viajar e quer saber a minha opinião...

* Acho importante relatar casos graves como o de Carlos e ressaltar o grau do sofrimento da família, e do meu também...

* Enfatizar a importância do diagnóstico precoce.

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