domingo, 15 de fevereiro de 2009

DEPRESSÃO - NEUROQUÍMICA, ALTERAÇÃO NOS NEUROTRANSMISSORES, TERAPIAS ALTERNATIVAS

Aspectos bioquímicos da depressão
Já na Antiguidade, as alterações dos ‘humores’ (ou líquidos do corpo humano) eram encaradas como uma possível causa de sofrimento. Ao longo dos tempos, os especialistas recorreram, com maiores ou menores variações, a esta teoria.
Só no início dos anos 1960 é que se iniciou realmente a investigação moderna dos mecanismos cerebrais que estão subjacentes aos distúrbios mentais e, em particular, à depressão. Foi também há pouco tempo que se começaram a desenvolver tecnologias suficientemente precisas para se poder estudar os mecanismos internos das células cerebrais.
Graças a estes avanços tecnológicos, sabe-se hoje que o cérebro humano produz um certo número de substâncias, denominadas neurotransmissores, que são imprescindíveis para o intercâmbio de informação entre as células nervosas.

O funcionamento do sistema nervoso central
O sistema nervoso central é composto, entre outras coisas, por neurônios. Trata-se de células que, além do núcleo, têm terminações, cujo comprimento pode atingir mais de um metro.
Os neurônios transmitem impulsos nervosos, graças a um conjunto de fenômenos químicos e elétricos. Ao passar de um neurônio para outro, o impulso nervoso transmite informação.
Eles não se tocam, estando separados por um espaço. A zona onde dois neurônios trocam informação forma um conjunto denominado sinapse. Por sua vez, cada um dos seus elementos recebe o seguinte nome:
– pré-sinapse, ou neurônio pré-sináptico;
– fenda sináptica;
– pós-sinapse, ou neurónio pós-sináptico.

No neurônio pré-sináptico, encontram-se pequenas vesículas, onde são armazenados os neurotransmissores (as tais substâncias químicas que possibilitam a transmissão do impulso nervoso entre dois neurônios). Existem cerca de quarenta tipos diferentes de neurotransmissores. Destes, há sobretudo três que desempenham um papel conhecido na depressão: a noradrenalina, a dopamina e a serotonina.
Quando o impulso nervoso chega, as pequenas vesículas deslocam-se para a periferia do neurônio pré-sináptico, libertando o seu conteúdo, em forma de grânulos, na fenda sináptica. Depois, os neurotransmissores entram em contato com os receptores do neurônio pós-sináptico. Estes receptores têm códigos específicos, especialmente adaptados para receber certos tipos de neurotransmissores, da mesma forma que uma fechadura só se abre com a chave certa.
Uma parte dos neurotransmissores libertados para a fenda sináptica não chega a ser utilizada, sendo recuperada pelo neurônio pré-sináptico. Trata-se do fenômeno da recaptação, uma medida poupadora do organismo: os grânulos recuperados, carregados de neurotransmissores, estão prontos para uma nova utilização.
Contudo, este delicado mecanismo não está isento de riscos:
– por um lado, a recaptação pode ser excessiva, diminuindo a quantidade de grânulos na fenda sináptica;
– por outro, os grânulos recuperados degradam-se sob o efeito de certas enzimas, as monoaminoxidases. Esta degradação é normal, até certo ponto, mas, se exceder um determinado nível, pode comprometer a boa regulação do sistema nervoso.
Tanto num caso como no outro, o resultado é a diminuição da concentração de neurotransmissores na fenda sináptica, o que leva à redução da transmissão dos impulsos nervosos. É este o processo que se observa na depressão (na verdade, a situação é ainda mais complicada, já que também intervêm outros mecanismos, como o equilíbrio dos sais minerais, ou metabolismo eletrolítico).

Como atuam os medicamentos antidepressivos?
Uma vez que a depressão, principalmente a endógena (veja a página 22), parece obedecer a uma carência de neurotransmissores na fenda sináptica, o principal objetivo dos medicamentos antidepressivos é evitar esse problema.

Redução da degradação dos neurotransmissores
Como já foi mencionado, os neurotransmissores recuperados degradam-se (ficam inativos) devido ao efeito de enzimas denominadas monoaminoxidases (MAO), que podem ser de dois tipos diferentes. Os primeiros antidepressivos conhecidos, os inibidores das monoaminoxidases (IMAO), bloqueiam a atividade destas substâncias e impedem a degradação dos neurotransmissores. Desta forma, aumenta a quantidade disponível de neurotransmissores em condições de serem enviados novamente para a fenda sináptica. Atualmente, existem os inibidores reversíveis e seletivos da MAO-A, que atuam apenas num dos dois tipos de monoaminoxidase. A sua utilização não implica tantos cuidados com a alimentação e produz menos efeitos colaterais (veja também a página 80).

Inibição do processo de recaptação
Os antidepressivos tricíclicos receberam esta designação devido à sua estrutura química, que se compõe de três anéis de carbono. São medicamentos que impedem a recaptação dos neurotransmissores pelos neurônios pré-sinápticos, permitindo manter uma maior quantidade daquelas substâncias na fenda sináptica.
Devido aos efeitos colaterais e ao seu potencial letal em caso de superdosagem, estes medicamentos deixaram de ser prescritos como de primeira linha (os primeiros a serem usados para combater a maioria das depressões).
Mais recentemente, surgiram como alternativa aos antidepressivos tricíclicos os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, com menos efeitos colaterais. Por isso, muitas vezes, os médicos optam por iniciar o tratamento contra a depressão com estes medicamentos.
Todos estes antidepressivos devem ser tomados de forma regular durante pelo menos algumas semanas antes de começarem a atingir todo o seu efeito benéfico.

Outros tratamentos
Existem outros métodos de tratamento que atuam sobre a depressão, tais como a terapia baseada em lítio ou a terapia eletroconvulsiva.
Ainda não se conhece bem a forma de atuação do lítio. É possível que reduza a retenção anormal do sódio no interior das células, influenciando, assim, o equilíbrio eletrolítico das mesmas. Em casos de transtorno bipolar, atua predominantemente sobre a fase maníaca, apresentando propriedades preventivas interessantes.
Também não existe qualquer explicação satisfatória sobre o funcionamento da terapia eletroconvulsiva (TEC), embora se suponha que provoque um estímulo da produção de noradrenalina na zona do lobo frontal do cérebro e do hipotálamo. Graças a este estímulo, observa-se uma melhoria evidente da atividade dos centros motores, tanto no que se refere à coordenação de movimentos, como na capacidade de atenção.
A ECT continua sendo o tratamento mais eficaz em doentes com depressão psicótica ou que não respondam de forma positiva a nenhuma medicação. Os efeitos colaterais mais comuns desta terapia são o estado de confusão e a amnésia (perda de memória) durante algumas semanas ou meses, sobretudo no que se refere ao período de hospitalização e às semanas posteriores às sessões.

O sono e a depressão
Como foi mencionado no Capítulo 1, um dos primeiros indícios da depressão são os distúrbios do sono, em particular:
– dificuldade em adormecer;
– despertar precoce;
– pesadelos;
– sensação de cansaço ao levantar.
Nas depressões graves, o doente acorda com freqüência durante a noite e muito cedo de manhã, muitas vezes com uma grande sensação de angústia. Por outro lado, também ocorre a sonolência excessiva. Em qualquer dos casos, é muito comum a sonolência durante o dia.

A estrutura do sono
É possível observar duas fases principais durante o sono: o sono lento e o sono paradoxal:
– O sono lento caracteriza-se por uma atividade lenta do córtex e, por isso, fica registrado no eletroencefalograma (EEC) através de grandes ondas lentas. Este tipo de sono divide-se em quatro estágios: a pessoa adormece, passa depois para um sono ligeiro, a seguir para um sono médio e, finalmente, para um sono profundo. Ao longo destas fases, o sujeito fica progressivamente mais tranqüilo. Na quarta fase, os olhos permanecem imóveis e a respiração e o pulso são regulares. O sono lento predomina no início e ocupa 80% da duração total do sono no adulto.
– O sono paradoxal recebe este nome porque existe uma contradição aparente entre o EEC, que revela um traçado elétrico de vigília (sucessão de ritmos rápidos) e a verdadeira profundidade do sono. Na realidade, este é mais profundo, inclusive, que no quarto estágio do sono lento. Esta fase caracteriza-se por movimentos oculares rápidos (Rapid Eye Movement, ou REM) e atonia muscular (ou seja, relaxamento profundo dos músculos), ficando a pessoa desprovida de reflexos.
Este tipo de sono alterna com os estágios do sono lento, sucedendo-se durante a noite a um ritmo regular e com uma duração cada vez maior: dez minutos, no início da noite, e trinta minutos, no final. As primeiras fases do sono paradoxal começam cerca de 45 a cinqüenta minutos após o adormecer, mas é apenas durante as últimas fases do sono paradoxal que surgem os sonhos. A sensação de se ter dormido bem depende da regularidade com que se alternam os estágios de sono lento e de sono paradoxal.
É possível esquematizar a estrutura do sono através de um gráfico que ilustra as suas diferentes fases ao longo da noite: o hipnograma (veja, abaixo, um exemplo de hipnograma normal).

O sono do deprimido
No caso da pessoa com depressão, o hipnograma é diferente. Em primeiro lugar, comprova que o número de vezes que a pessoa acorda é relativamente elevado. Todavia, as anomalias mais evidentes referem-se às fases do sono paradoxal, que ocorrem com mais freqüência no início da noite e muito mais cedo do que numa pessoa sem depressão.
A pessoa está mais agitada, tem sonhos e até pesadelos. Acorda com a sensação de ter dormido mal e, de fato, um sono interrompido diversas vezes e com fases paradoxais muito freqüentes não é, de todo, reparador, embora possa ter uma duração normal (entre sete a nove horas por dia). Como é óbvio, este fato não contribui para melhorar a depressão.

Ação dos antidepressivos sobre o sono
Como vimos, a fase paradoxal é, na depressão, a principal fonte de perturbações durante o sono. Por isso, um dos objetivos do tratamento pode consistir em tratar essa fase, sem prejudicar a qualidade do sono lento.
Por exemplo, podem ser suprimidas as fases do sono paradoxal. Uma forma de fazer isso consiste em despertar a pessoa cada vez que está prestes a atingir uma dessas fases. No entanto, isso só pode ser realizado num hospital dotado de um ‘laboratório do sono’, onde possa passar a noite. O lítio, em doses terapêuticas, também suprime o sono paradoxal.
Outro método consiste em reduzir o sono paradoxal e aumentar o sono lento, o que se consegue recorrendo à terapia eletroconvulsiva. Os medicamentos tricíclicos produzem o mesmo efeito, enquanto os IMAO têm a virtude de reduzir o sono paradoxal durante cerca de três semanas e, depois, mantê-lo num nível muito baixo. A regularização do sono paradoxal anda paralelamente à melhoria do estado depressivo.

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