segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


Classificação das depressões

A depressão é um problema particularmente complexo, não só devido ao conjunto de numerosos sintomas associados, mas também à intensidade variável com que pode manifestar-se. Para fazer frente a esta complexidade, os psiquiatras tiveram de estabelecer uma classificação, levando em consideração que o rigor e a precisão do diagnóstico são imprescindíveis para a escolha do tratamento mais adequado. Como classificar? Durante muito tempo, a depressão foi encarada ou como uma doença mental de origem orgânica ou como um distúrbio psicológico, fruto dos acontecimentos da vida e da personalidade. Esta forma dupla de encarar o problema deu origem a dois tipos de erros. O primeiro consiste em abordar a depressão de um ponto de vista exclusivamente biológico e considerar os aspectos psicológicos circunstâncias acidentais. Neste caso, corre-se o risco de limitar o tratamento à administração de medicamentos, sem prestar atenção aos problemas psíquicos nem à psicodinâmica dos sintomas, ou seja, à história e evolução ou ao desenvolvimento desses sintomas e ao papel que desempenharam na vida da pessoa com depressão. No outro extremo, pode acontecer que alguns especialistas neguem a intervenção de fatores biológicos e se centrem apenas na análise psicológica. Embora esta abordagem – que consiste, essencialmente, em compreender e reinterpretar a história pessoal – seja sempre útil, se for a única, acaba por ser ineficaz em inúmeros casos de depressão. Na realidade, o debate entre estas duas abordagens opostas é reflexo de uma certa dificuldade em aceitar a idéia de que a ação humana depende tanto do funcionamento do corpo (o biológico) como das vivências psicológicas, fruto do intercâmbio do indivíduo com o mundo exterior. As classificações mencionadas a seguir são apenas modelos explicativos. Trata-se de conceitos elaborados a partir das diferenças observadas na experiência clínica, que facilitam o diagnóstico e cujo objetivo principal é a escolha do tratamento mais eficaz. Sendo assim, a classificação da depressão pode ser baseada na origem do distúrbio depressivo, sendo denominadas depressões endógenas e exógenas. Depressão endógena A depressão pode estar ligada a fatores constitucionais e, por isso, ser de origem orgânica. Por esse motivo, surge com maior freqüência em algumas famílias do que em outras, o que parece demonstrar a influência da herança genética. Atualmente, está praticamente comprovado que certas perturbações bioquímicas do cérebro têm um papel fundamental nesta doença. A depressão endógena surge sem causas que a desencadeiem, ou seja, sem motivos ou acontecimentos externos que possam justificar o seu aparecimento. Mesmo quando o paciente se refere a fatores externos, estes parecem insignificantes face à gravidade da depressão. Para o doente, o seu estado torna-se inexplicável. É possível que esta depressão desapareça por si só (fenômeno de remissão espontânea). Neste caso, o paciente recupera o seu estado, tal como estava antes do início da fase depressiva. Contudo, também pode ocorrer uma recaída. Algumas pessoas podem mesmo sofrer vários episódios depressivos por ano, fazendo com que o desespero e o sofrimento moral do doente sejam cada vez mais intensos. Formas de depressão endógena A depressão endógena pode apresentar-se de duas formas: 1 – Unipolar, na qual apenas um estado se manifesta, caracterizado por: – perda de peso (o doente recusa-se a comer); – insônia ou hipersonia; – agitação ou lentificação psicomotora; – perda de interesse e de prazer pelas atividades habituais; – fadiga constante; – sentimento de indignidade e culpa e, por vezes, convicção de não ser possível curar-se; – redução da capacidade de pensar e de se concentrar. 2. Bipolar, que é o episódio depressivo que ocorre nos portadores do transtorno bipolar do humor, muito menos freqüente do que a depressão unipolar, afetando apenas um por cento da população brasileira. O estado de humor pode oscilar em fases, do indivíduo alterna do depressivo ao maníaco (ou eufórico) (daí este distúrbio ser conhecido no passado como psicose maníaco-depressiva e hoje o termo psicose foi abolido porque o paciente fora das crises volta ao seu padrão de funcionamento normal, o chamado “restitutium ad integrum”), e por isso hoje ele é chamado de Transtorno Afetivo do Humor, Transtorno do Humor ou Transtorno Bipolar do Humor, seguindo um ciclo específico que depende de cada pessoa. Na fase maníaca, o paciente sente-se onipotente, em plena forma, demonstrando um otimismo pouco realista e exagerado e tem projetos em abundância, na maioria das vezes impossíveis e caóticos. São freqüentes os gastos excessivos, uso abusivo de álcool e/ou drogas, podem ficar hipersexualizados e normalmente infligem leis e normas sociais. A família pode se queixar de sua atividade frenética e desordenada, bem como de hostilidade e falta de sentido da realidade, a qual pode conduzi-lo às idéias mais extravagantes. Depois, o doente cai num estado depressivo, cuja dor moral se torna mais intensa a cada recaída. Quase todas as pessoas que sofrem de perturbação transtorno bipolar têm, nos seus antecedentes familiares, parentes que também passaram por este tipo de distúrbio, o que parece demonstrar a existência de um fator genético. Tratamento da depressão endógena Normalmente, a depressão endógena responde bem aos seguintes tratamentos: - antidepressivos da classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina – ISRS - estabilizadores do Humor – como o lítio, divalproato de sódio, carbamazepina, topiramato (atualmente tem sido recomendado a associação de estabilizador de humor nos casos de depressão unipolar). - antipsicóticos de preferência os atípicos (menos efeitos colaterais) para depressões unipolares que cursam com sintomas psicóticos - quetiapina, risperidona, olanzapina, aripiprazol ou os típicos – haloperidol, trifluoperazina e outros. - ECT – eletroconvulsoterapia – para depressões gravíssimas e refratárias a todos os antidepressivos prescritos. É feito em ambiente hospitalar com anestesia geral e seu efeito é maravilhoso. Muito indicado para idosos deprimidos graves e gestantes. Risco de suicídio – hospitalização com acompanhamento as 24hs do dia, além de antidepressivos, estabilizadores do humor, antipsicóticos e eventualmente ECT. Transtorno Bipolar do Humor – - fase depressiva os mesmos psicofármacos para as depressões unipolares, dando prioridade aos estabilizadores do humor. Só entrar com antidepressivo e antipsicótico se for realmente necessário. O anticonvulsivante Lamotrigina tem sido usado com sucesso ultimamente para os casos de depressões unipolares. - fase maníaca – - estabilizadores do humor – Lítio (padrão-ouro) para todos os casos, mas para os cicladores rápidos damos preferência para o divalproato de sódio, carbamazepina, oxcarbamazepina, topiramato. - antipsicóticos de preferência os atípicos – ver listagem acima. – antidepressivos, como os tricíclicos, os inibidores da monoaminoxidase não se usam há mto tempo. ou os inibidores seletivos de recaptação da serotonina; – choques elétricos ou terapia eletroconvulsiva, nos casos em que o recurso da medicação não é eficaz ou quando se trata de depressão severa, com elevado risco de suicídio; [nossa, isso ainda existe???] – lítio, para as perturbações [transtornos?] bipolares. Além da intervenção mais biológica, também é recomendada, em paralelo, a psicoterapia, principalmente as terapias interpessoais e a cognitivo-comportamental, que, segundo diversos estudos, são as mais eficazes. Estes tipos de intervenções são particularmente úteis, por aumentar a adesão ao tratamento com medicamentos. Porém, as psicoterapias não têm sido consideradas eficazes para tratar, isoladamente, as perturbações [ os transtornos bipolares. Seja qual for o tratamento, deve ser suficientemente longo para que o doente possa recuperar completamente o equilíbrio, como veremos com mais detalhes no Capítulo 6. Depressão exógena ou reativa Este tipo de depressão surge como conseqüência de um acontecimento traumático ou choque emocional: morte de um ente querido, divórcio ou separação, desemprego, decepção ou rompimento sentimental, mudança de ambiente, etc. Nestes casos, a depressão está ligada à perda de um objeto de amor, que pode significar a perda de uma pessoa querida ou de bens materiais, uma mudança profissional ou de residência, etc. A imensa tristeza que resulta deste tipo de situação é o luto, sendo este uma reação normal e, inclusive, necessária para se poder superar a perda. Um luto entre seis meses e um ano é considerado normal – tudo depende da importância que o objeto de amor tinha aos olhos do indivíduo, bem como da intensidade e do tipo de amor que este último sentia. Em relação ao amor perdido também pode se entender a própria auto-estima. Assim, como acontece hoje com freqüência, a perda do emprego e a situação de inatividade são acontecimentos que privam o indivíduo de uma razão de viver e diminuem as suas responsabilidades e rendimentos, obrigando-o, em certos casos, a aceitar uma situação profissional ou social menos favorável. Outro exemplo: a aposentadoria, sobretudo quando antecipada, pode constituir uma perda de auto-estima e de valor pessoal. Nesse caso, muitas vezes, o fato de não trabalhar é encarado como sinônimo de inutilidade e o aposentado se sente com o ego ferido. Assim, o luto é uma reação mais ou menos patológica, embora compreensível, diante de um acontecimento objetivamente traumático. Mas a maioria das pessoas afetadas acaba recuperando o equilíbrio, com ou sem ajuda exterior. Pelo contrário, o luto resultante de uma personalidade menos equilibrada ou, simplesmente, frágil será um luto mal assumido, que pode desencadear uma depressão. Alguns anos mais tarde, a tristeza ainda é tão intensa e profunda como no início, a vida não anda para frente e, além disso, pode instalar-se um autêntico culto obsessivo pelo objeto de amor perdido. É um fenômeno freqüente nas pessoas idosas que perdem o seu cônjuge e ficam sozinhas. Normalmente, já não têm o impulso vital necessário para superar a crise e desenvolver outras relações humanas. Em geral, neste tipo de depressão, as psicoterapias interpessoais e as cognitivo-comportamentais são eficazes. De qualquer modo, em função da gravidade da depressão, o recurso a medicamentos, como os antidepressivos de que falamos, pode ser útil, quando combinado com a psicoterapia. Depressões primárias e secundárias A depressão denomina-se primária quando surge isoladamente e secundária quando o episódio depressivo resulta de: – outra doença, como câncer, mal de Parkinson, mononucleose, etc. De uma forma geral, a adaptação a doenças crônicas, principalmente quando acompanhadas de dor ou perda progressiva de capacidades, pode resultar em depressão; – algum traumatismo, como uma mutilação, paralisia ou cegueira; – uso de certas substâncias, como drogas ou medicamentos. Outras classificações de depressão Dependendo dos sintomas, da duração e da intensidade, a depressão varia entre uma alteração de humor, no sentido negativo, de leve a moderada (distimia – veja a página 84), e a depressão maior, podendo até haver características mais psicóticas, como delírios ou alucinações auditivas. As depressões podem ainda ser classificadas em: – crônicas, quando os sintomas se mantêm, no mínimo, durante dois anos; – atípicas, havendo, neste caso, melhorias no humor ou até euforia em conseqüência de acontecimentos positivos. No entanto, são acompanhadas por, pelo menos, dois dos seguintes sintomas: perda de peso, aumento de apetite, excesso de sono e sensação de pernas e/ou braços pesados. Quanto ao momento em que surge a depressão, destacam-se: – a depressão pós-parto. Esta é relativamente comum nas mulheres e pode começar dentro de um período de uma a quatro semanas após o nascimento de um filho; – a perturbação depressiva pré-menstrual ou tensão pré-menstrual - Na semana que antecede a menstruação, podem ocorrer sintomas de depressão que interferem com as atividades do dia-a-dia, mas que desaparecem alguns dias após o início da mesma; – a depressão sazonal. Surge no início de um período do ano e desaparece no seu final. É mais comum no outono ou no inverno, quando os dias começam a encurtar. BOX 1 Um exemplo de depressão endógena P. é uma mulher de 42 anos, mãe de quatro crianças. De repente, já não consegue cuidar da casa, não dorme nem come, sente-se completamente desesperada e não pára de chorar. Algum tempo depois, perde as forças e mantém-se em silêncio, passando dias inteiros na cama. A família não entende o que se passa, já que, aparentemente, não ocorreu nenhum episódio doloroso que pudesse justificar uma depressão, e pede para que P. seja internada. Após um tratamento com antidepressivos, o ânimo de P. começa a mudar. Escreve cartas ao marido, bem como a outros membros da família, queixando-se de que, por ser muito submissa, permitiu que fosse explorada. Acrescenta que “a partir de agora, acabou” e que quer ir a Paris para ser alguém, pois sente que é uma grande artista. Por outro lado, revela-se irritável, fala muito e desenvolve uma atividade febril. A sua família fica surpresa, porque, até então, P. era uma pessoa relativamente apática. A instituição onde está hospitalizada diagnostica uma psicose maníaco-depressiva Transtorno Bipolar e lhe administra sais de lítio. Na primeira alta do hospital, ela gasta dinheiro exageradamente e dilapida o orçamento da família para renovar o seu guarda-roupa. O ataque de depressão que se segue a este episódio começa de forma brutal, sem fatores que o desencadeiem. Depois, dá-se um novo episódio de mania. BOX 2 Um exemplo de depressão exógena ou reativa G. é uma idosa de 84 anos que sofre de catarata. A sua visão deficiente já não lhe permite passear a seu bel-prazer pela pequena cidade onde vive e conhece toda a gente. Mora com as duas filhas (uma é inválida e a outra, solteira), tem uma vida muito ocupada e passa pouco tempo em casa. G. voltou todas as suas necessidades afetivas para o cão que a acompanha há 18 anos, com quem fala e que a segue para todo o lado, mesmo quando anda pelas várias divisões da casa. O animal parece querer protegê-la e avisá-la dos obstáculos, como um cão-guia. Quando o cão morre, a tristeza de G. é imensa e custa a diminuir. A sua família propõe-lhe comprar um cachorrinho, mas a idosa não aceita. Em pouco tempo, G. começa a se fechar em si mesma. Das poucas vezes em que fala, evoca a perda do cão, do qual ainda não conseguiu se despedir. A sua família não consegue entender este tipo de reação. Na verdade, é muito freqüente, principalmente em pessoas idosas que vivem sós ou num ambiente difícil, que se produza um apego muito forte, até exagerado, a um animal de estimação. Tratando-se de um objeto de amor, a sua perda pode conduzir à depressão. BOX 3 Um exemplo de depressão secundária A. é uma jovem que vive com o marido e a filha. Devido às dificuldades que tem em andar, consulta um médico e se submete a exames detalhados. Assim, descobre-se que A. padece de uma doença muito rara, progressiva, irreversível, incurável e que a deixará parcialmente incapacitada: uma miopatia progressiva ou degenerativa – uma degeneração dos músculos, o que explica as suas dificuldades motoras. Quando tem conhecimento da natureza da sua doença e do fato de ser incurável, A. entra em depressão, ainda mais quando os sintomas evoluem muito rapidamente. A jovem começa a ter medo de cair ou de ficar paralisada de repente, no meio da rua. Por isso, pede ao marido que a acompanhe para todo o lado, coisa que ele faz sem hesitar. Contudo, os receios de A. aumentam progressivamente, convertendo-se numa autêntica agorafobia (fobia a espaços abertos). Ao tomar consciência do seu estado, a jovem decide finalmente seguir uma psicoterapia. Pela primeira vez, consegue chorar e lamentar-se, já que diante do marido e da filha tenta controlar-se, para que não percebam seu desespero. Considera-se incapaz de aceitar a transformação do seu corpo e de ver como este vai se tornando algo disforme e esquelético, quando antes tinha sido bonito e harmonioso. A idéia de perder a sua imagem de mulher, a sua feminilidade, faz com que sofra intensamente. Além disso, teme que o marido se canse de uma mulher doente e feia, que deixe de amá-la e comece a desejar outros corpos mais vivos e sãos. Apesar de a relação do casal sempre ter se baseado na confiança, A. surpreende-se vigiando o marido e sentindo ciúmes. Contudo, não se atreve a falar sobre os seus sentimentos, porque os considera mesquinhos e egocêntricos. A jovem fica cada vez mais deprimida, deixa de conseguir dormir, come pouco e evita o contato e encontros com outras pessoas. Ao perder os pontos de referência da sua feminilidade, A. perde também a sua identidade: não sabe quem é nem onde quer ou pode chegar. Por vezes, já se dá como morta e preocupa-se muito por causa da filha. A terapia ajuda-a a compreender que, além da miopatia, ela está desenvolvendo outra doença: a depressão. Mas esta última pode ser tratada, desde que não desista de lutar, combatendo a doença

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