domingo, 15 de fevereiro de 2009

DEPRESSÃO - SINAIS DE ALERTA, PREVENÇÃO, LOCAIS DE ATENDIMENTO E O CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA




DEPRESSÃO
Mais cedo ou mais tarde, todos somos confrontados com algum acontecimento traumático, como a morte de um ente querido, uma separação ou uma doença, que faz com que, durante algum tempo, a nossa energia vital diminua e nos sintamos vulneráveis. A grande questão é: em que momento exatamente essa resposta, considerada normal, se transforma numa depressão?
Para responder a esta pergunta, é preciso canalizar toda a atenção não só para identificar corretamente se a pessoa sofre de uma depressão, mas também, se for o caso, para evitar que a situação piore. A intenção deste artigo é, de uma forma simples, mas intensa, ajudá-lo nessa árdua tarefa, tanto no caso de estar passando pessoalmente por um quadro depressivo, como para ajudar uma pessoa querida a ultrapassá-lo.
Para tanto, começamos definindo o que significa estar deprimido e que fatores contribuem para o problema. A seguir, fazemos uma breve descrição de algumas terapias individuais, familiares e de grupo, bem como dos medicamentos mais utilizados no tratamento da depressão. Além disso, damos várias sugestões para ajudá-lo a encarar o estresse da vida cotidiana, ultrapassar a ansiedade e manter o equilíbrio essencial entre o corpo e a mente. Para terminar, sobretudo porque as pessoas que sofrem de depressão se sentem quase sempre sós e isoladas, apresentamos uma lista de entidades e outros recursos disponíveis para ajudá-las.
Esperamos que este pequeno guia se revele útil para a compreensão dos fenômenos que estão por trás da depressão e, principalmente, ajude as pessoas afetadas por este mal a entender que não têm de passar por esse processo sozinhas, mas que, pelo contrário, devem procurar ajuda o mais rapidamente possível.
A nível psicológico, o problema de saúde mais comum e, provavelmente, o mais difícil de diagnosticar é a depressão. Porém, tendo em conta que afeta cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo e que produz um vasto leque de seqüelas sociais e econômicas, não há dúvida de que esta doença deveria ser objeto prioritário de atenção por parte das autoridades de saúde.
É preciso sublinhar que, no Brasil, o número de pessoas afetadas pela depressão provavelmente continuará a aumentar, já que a expectativa de vida é cada vez maior e que lguns dos principais fatores psicossociais que estão na origem deste problema de saúde (o estresse, a competitividade no meio profissional, o isolamento socioafetivo, entre outros) são, também eles, cada vez mais comuns, como veremos no capítulo dedicado aos fatores que predispõem aa esta doença.
Para fazer frente a alguns tipos de depressão, dispomos atualmente de um eficaz arsenal farmacêutico. Todavia, em alguns casos, os medicamentos são ineficazes e, por vezes, até desaconselháveis, sendo mais produtiva uma intervenção que leva à mudança do seu estilo de vida ou da forma como a pessoa encara o seu dia-a-dia, embora, muitas vezes, seja preferível uma intervenção psicoterapêutica. Infelizmente, são freqüentes os casos de uso e abuso de medicação (em geral, porque a solução que vem de fora é mais fácil, pois não exige investimento pessoal na mudança) e, por vezes, mesmo uma administração inapropriada. Referimo-nos, por exemplo, aos medicamentos ansiolíticos, dos quais uma boa parte da população faz uso abusivo.
O aparecimento, o tipo e a freqüência da depressão estão intimamente ligados às particularidades físicas e mentais de cada indivíduo, bem como às condições sociais em que se passa ou se passou a sua vida. É por isso que, na maioria dos casos, seja qual for a gravidade do seu estado, a abordagem do tratamento do doente com depressão deve ser essencialmente de caráter psicoterapêutico, implicando a ajuda de um profissional de saúde mental devidamente qualificado. Este tipo de intervenção é quase sempre fundamental para a compreensão e resolução da depressão.
Quanto à prevenção da depressão, é essencial ter em mente que está estreitamente ligada ao histórico, tanto físico como psicológico, do indivíduo, bem como à sua saúde física, familiar e social (ou seja, o estilo e a qualidade das relações com os familiares, amigos, colegas de trabalho etc.). Neste livro, procura-se, acima de tudo, dar pistas para a identificação rápida de uma situação de início de depressão (através do reconhecimento de estilos de vida que podem resultar no problema). Procura-se, também, apresentar estratégias de ação, no sentido de neutralizar ou atenuar a evolução de um quadro depressivo já existente ou em andamento.

Sinais de alerta

Nas últimas décadas, o termo ‘depressão’ vulgarizou-se e passou a fazer parte da linguagem do dia-a-dia, servindo para designar realidades muito diferentes, desde uma simples tristeza ou perda momentânea de ânimo até um conjunto de sintomas, bem definidos em termos clínicos, a que se dá o nome de depressão maior, verdadeira doença psíquica que pode e deve ser tratada.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas deprimidas em algum momento da sua vida (a que se dá o nome de prevalência) oscila entre 3 e 5% da população mundial. Mas, na verdade, é difícil avaliar a prevalência da depressão em termos tão globais. Nos Estados Unidos, por exemplo, as estimativas apontam para 15% (20% nas mulheres e 10% nos homens). Em Portugal, os números oscilam entre 5 e 8%, sendo que as mulheres têm também duas vezes mais probabilidades de sofrer de depressão do que os homens. Ao todo, estima-se que, por ano, cerca de 1 milhão de portugueses sofra desta doença. No Brasil, a prevalência encontrada situou-se em 15,5%. Um estudo realizado em três capitais brasileiras, Brasília, São Paulo e Porto Alegre, evidenciou prevalências de 1,5%, 1,3% e de 6,7%, respectivamente, adotando o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, 3ª edição, como sistema diagnóstico. Segundo o Estudo Multicêntrico Brasileiro de Morbidade Psiquiátrica para depressão na população geral, os números oscilam entre 15% e 25%, para homens e mulheres, respectivamente. Isto significa que no Brasil aproximadamente 20 milhões de brasileiros sofrem de depressão (e que 24 a 30 milhões de pessoas apresentam, apresentaram ou virão a ter pelo menos um episódio depressivo ao longo da vida) sendo que 12,5% dos idosos sofrem de depressão no Brasil.
Estes valores são claramente imprecisos, não só porque muitas pessoas sofrem de depressão sem o saberem, mas também porque outras (especialmente os homens) têm vergonha de pedir ajuda para este tipo de problema. De fato, estima-se que mais de 75% das pessoas com depressão não recebem o devido tratamento – não recorrem ao médico e o seu caso acaba por não ser registrado.
Em 1991, a Direcção-Geral de Saúde fez um Censo Psiquiátrico em 66 hospitais portugueses (públicos e privados) e verificou que a depressão era a segunda patologia psiquiátrica mais freqüente nas consultas e internamentos hospitalares (14,9% das pessoas que recorreram aos serviços de saúde).
Aproximadamente entre 2 e 12% dos indivíduos no Brasil apresentarão depressão no seu ciclo de vida, sendo esses, os índices mais altos entre os pacientes dos serviços de atenção primária, sendo a depressão a patologia psiquiátrica mais freqüente nestes serviços. Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) conduzido no Rio de Janeiro em 15 centros de atenção primária à saúde mostrou uma prevalência de 29,5% para os transtornos depressivos.18 A maioria dos indivíduos com depressão é atendida pelos serviços de atenção primária, enquanto apenas uma minoria recebe atendimento de especialistas em saúde mental. Um estudo feito no CAPS de Tamboril – Ceará objetivando ver qual o perfil epidemiológico daquela unidade em Saúde Mental, encontrou resultados que mostraram que 80,4% deles encontravam-se na faixa etária de 10 a 49 anos, 50,2% da clientela era solteira, 44,2% não concluíram o ensino fundamental, 45,1% eram trabalhadores em atividade, 30,4% procediam da Unidade da Mulher e 25% estudava. O Transtorno que prevaleceu foi o Transtorno Depressivo Maior.

Além do fato da depressão ser a principal responsável pela incapacidade laboral, é de salientar ainda que 15% das pessoas com depressão prolongada correm o risco de se suicidarem.
Tudo isto faz com que a depressão seja, atualmente, o quarto maior problema de saúde pública conforme dados da OMS que prevê que, nos próximos vinte anos, este distúrbio passe a ocupar a segunda posição da lista, logo atrás dos problemas cardiovasculares.
Para se poder identificar e reconhecer a depressão, é essencial defini-la com a maior precisão possível. Assim, enumeramos os sinais de alerta e os sintomas mais facilmente identificáveis pelo doente e pelos que o rodeiam.

O que é depressão?
O termo ‘depressão’ indica uma grande variedade de estados que afetam tanto o corpo (estados somáticos) como a mente. Este problema de saúde pode ser definido como um ‘distúrbio do humor’ prolongado, que faz com que a pessoa sinta uma tristeza, melancolia e angústia que reduzem acentuadamente a vontade (e a energia) de fazer as tarefas cotidianas, bem como o prazer no desempenho de atividades normalmente apreciadas. Este distúrbio do humor também pode fazer com que a pessoa sofra, com maior ou menor intensidade, de dores físicas (dores de cabeça, por exemplo) ou psíquicas (como a perda da vontade de viver).
Os sintomas reveladores de um estado depressivo são muitos e variados. Aqui, nos limitaremos a citar os mais característicos. De qualquer forma, é preciso destacar que a depressão, tal como é definida do ponto de vista clínico, implica que os sintomas se apresentem ao mesmo tempo e durante um certo período. Assim, para que um profissional diagnostique um estado depressivo maior, é necessário que pelo menos cinco destes sintomas ocorram de forma persistente durante um mínimo de duas semanas.

Sintomas da depressão
A pessoa com depressão sempre sente – às vezes antes mesmo de manifestar qualquer sintoma preciso do seu estado – um mal-estar interno (durante a maior parte do dia, quase todos os dias), devido a uma desvalorização:

– de si próprio: perde a confiança nas suas próprias capacidades, a auto-estima e a noção do seu valor pessoal. Acredita que já não consegue fazer o mesmo que antes;
– da realidade: esta lhe parece difícil, complicada e inacessível. O doente considera-se um derrotado e ressente-se com a inutilidade dos seus atos. Acaba por desistir e deixa de se abrir para o mundo exterior, encerrando-se em si mesmo;
– do futuro: sente-se bloqueado e desesperado. Não vê saída alguma para os seus problemas e é incapaz de visualizar um futuro positivo, sentindo-se vítima de um destino injusto.

Progressivamente, instala-se uma acentuada perda de interesse ou prazer pelas atividades habituais durante a maior parte do dia, quase todos os dias. A seguir, aparecem um ou vários sintomas característicos do estado depressivo:

– diminuição do apetite, com perda significativa de peso (sem fazer dieta) ou, pelo contrário, aumento do apetite, com elevação considerável do peso.
– distúrbios do sono, como ter insônia ou sonolência excessiva (hipersonia), quase todos os dias;
– agitação ou, pelo contrário, lentificação psicomotora (o termo é usado ou tb podemos dizer retardo psicomotor) ou seja, do funcionamento físico e mental) quase todos os dias;
– perda de energia, acompanhada de fadiga constante (quase todos os dias);
– indecisão ou redução da capacidade de pensar e de se concentrar (quase todos os dias);
– sentimento excessivo ou inapropriado de ser indigno (ou seja, de não merecer o que tem ou o que consegue), autocrítica ou culpabilidade;
– pensamentos recorrentes sobre morte, desejo de estar morto, tentativas de suicídio.

Distúrbios do sono
Estima-se que 90% dos pacientes depressivos que consultam um médico sofram de distúrbios do sono. De fato, trata-se geralmente de uma das primeiras queixas da depressão. Dormir mal causa fadiga que, por sua vez, aumenta o mal-estar da pessoa deprimida. Isso provoca uma ruminação intensa e exaustiva de idéias geralmente pessimistas e que capturam a mente da pessoa, tornando-se impossível deixá-las de lado no momento de ir para a cama, instalando-se progressivamente um círculo vicioso. Contudo, é preciso identificar o tipo de distúrbio do sono, já que nem todos se devem à depressão: muitas outras doenças podem ser responsáveis por esse sintoma.
O distúrbio do sono próprio da depressão revela dois aspectos principais, em que a pessoa tem dificuldade em adormecer ou acorda com freqüência durante a noite – principalmente, desperta de madrugada, às vezes com tristeza e falta de vontade para o que quer que seja. Isso não significa, porém, que acordar de madrugada seja sempre sinônimo de princípio de depressão. Prova disso são as pessoas que se levantam logo à primeira hora da manhã, sentindo-se em plena forma. Trata-se, nesse caso, de uma questão de ritmo biológico. Contudo, é necessário levar muito a sério o sinal de alarme real que representa a crise de angústia que acompanha um despertar precoce.
Por sua vez, a sonolência excessiva define-se como uma duração do sono superior a dez horas. Mais uma vez, impõe-se prudência: nem todas as situações de excesso de sono indicam um princípio de depressão. Na verdade, este distúrbio pode decorrer de outras causas:

– certos fatores passageiros, como uma mudança no estilo de vida;
– a ingestão de determinados medicamentos ou o consumo de álcool;
– problemas respiratórios.

A pessoa deprimida que prolonga o seu sono desta forma (por vezes, até 14 horas) tenta recuperar forças, acreditando que o sono prolongado poderá remediar a sua fadiga imensa. No entanto, isso não acontece, já que se trata de um sono perturbado e muito pouco reparador. Na realidade, a pessoa procura, acima de tudo, fugir de uma realidade penosa que não consegue aceitar nem alterar, refugiando-se no sono.

Fadiga e fraqueza
A conseqüência lógica de um sono pouco reparador é a fadiga e o cansaço. “Estou exausto, não consigo me recuperar, o que posso fazer?” Este é um tipo de queixa muito comum nos consultórios médicos.
Com freqüência, o estresse da vida moderna é o primeiro responsável por um estado de tensão que pode levar a um grande cansaço, um estado perfeitamente compreensível e que, na verdade, não é alarmante. Todavia, a pessoa deprimida vive esse cansaço de outra forma: é mais difícil para ela, o seu rendimento diminui sensivelmente, sente-se incapaz de manter as suas atividades cotidianas e, acima de tudo, de empreender outras novas.
Esta diminuição de rendimento pode manifestar-se fisicamente por uma desaceleração do ritmo motor: o andar torna-se mais lento, assim como os gestos. O rosto assume um ar inexpressivo ou o olhar deixa transparecer uma expressão de dor. Qualquer atividade, mesmo a mais rotineira, como tomar banho ou preparar as refeições, pode tornar-se difícil e requerer um grande esforço. Em alguns casos graves, pode acontecer de a pessoa começar a se descuidar fisicamente, não prestando a devida atenção à sua higiene pessoal nem ao vestuário.
A queda do rendimento também se manifesta psiquicamente: a pessoa deprimida sente dificuldade em se centrar e manter a atenção, o seu pensamento é mais lento e ele não consegue expressar-se com facilidade. Geralmente, torna-se uma pessoa mais calada. Além disso, abandona as atividades habituais e os seus passatempos, que não lhe proporcionam mais qualquer prazer. Deixa de se interessar pela informação sobre o mundo exterior, evitando contatos ou encontros, ler jornal e ver televisão. Também se desinteressa pela atividade sexual, podendo abandoná-la por completo.
Apesar de tudo, é importante salientar que, ao contrário do que se possa pensar, as faculdades intelectuais permanecem inalteradas?, tratando-se, simplesmente, de um desinteresse generalizado e de uma profunda apatia. Na depressão ocorre o que chamamos de transtornos cognitivos como prejuízos na atenção e concentração, principalmente. As faculdades intelectivas permanecem inalteradas após o tratamento da depressão, pois a depressão altera as funções cognitivas, como atenção, concentração, falhas de memória, prejudica a capacidade de julgamento e crítica, uma vez que os pensamentos ficam distorcidos, sempre pessimistas e sombrios, sob uma ótica negativista, ...


O sentimento de indignidade
Quando uma pessoa está deprimida, deixa de se sentir digna da confiança que os outros depositam nela, tendo a impressão de não merecer isso, bem como outras coisas boas que lhe possam acontecer. Caso esteja vivendo uma situação que seria normalmente agradável e prazerosa, não consegue desfrutar dela. Considera que não fez nada para a merecer e que se trata de uma mera casualidade.
Por outro lado, com freqüência, se culpa exageradamente pelos fatos infelizes que lhe ocorrem. Mas essa situação também pode se inverter: a pessoa deprimida passa a acusar os que a rodeiam de todos os seus males, considerando-se uma vítima.
Em síntese, o deprimido perde a capacidade de analisar objetivamente os fatos e os acontecimentos e de avaliar corretamente as circunstâncias e as responsabilidades.

A ansiedade
A depressão é, muitas vezes, acompanhada de ansiedade. Esta se caracteriza por uma série de sintomas físicos e psíquicos bem determinados, como, por exemplo:
– suores;
– aceleração do ritmo cardíaco;
– alterações na respiração (torna-se ofegante);
– antecipação de perigo imediato, que tanto pode ser uma eventual doença como a morte, freqüentemente imaginada de uma forma atroz e brutal;
– comportamentos de esquiva, que visam evitar a ansiedade (por exemplo, recusa ir a locais muito freqüentados ou desconhecidos).

Em geral, este transtorno emocional é provocado por situações novas, nas quais o desconhecido é sinônimo de perda de segurança e a pessoa não consegue se ‘organizar’. Mas é importante salientar que qualquer pessoa pode viver momentos de ansiedade, sem que tenha uma depressão.
As características mais comuns da ansiedade associada à depressão são:

– Ocorre com tamanha intensidade que vai além do controle da pessoa e se torna algo insuportável;
– É freqüente ou mesmo constante, manifestando-se de forma crônica;
– A pessoa relata fatos inexistentes, aparentemente de pouca importância (para os outros) ou sem nenhuma relação aparente com a inquietação que manifesta;
– Impede que a pessoa faça frente às dificuldades e encontre uma solução satisfatória, tanto para si como para os outros.



Quem é ansioso dramatiza os acontecimentos, os sintomas e os conflitos. Exagera de forma persistente em alguns aspectos do problema, sendo incapaz, quando a ansiedade atinge um certo grau, de compreender o significado profundo daquilo que está vivendo. Sente uma certa apreensão perante os outros, considerando-os, com freqüência, juízes (teme ser mal julgado) e, quando está em grupo, sente-se inseguro. Fica melindrado diante da menor falta de atenção por parte dos que o rodeiam. Tem um sentimento exagerado em relação à sua insuficiência e subestima as suas capacidades, o que o impede de reagir de forma adequada no devido momento. Só mais tarde lhe ocorrem os argumentos que deveria ter invocado ou a atitude que poderia ter adotado. Por isso, também tem uma tendência mais ou menos acentuada para se sentir derrotado. O mínimo problema que ocorre lhe traz inquietação e pessimismo.
Para justificar estas atitudes perante si mesmo, a pessoa se defende, conscientemente ou não, adotando rapidamente um estilo de vida que pode ser mais ou menos inadequado. Assim, com freqüência, é perfeccionista, meticulosa e muito rigorosa em relação a princípios de vida bastante rígidos. Está constantemente fazendo uma série de projetos, embora o futuro concreto se lhe apresente sempre como ameaçador. Mesmo quando tudo corre bem, tem a impressão de que pode dar errado a qualquer momento.
Além disso, podem surgir transtornos somáticos (ou seja, transtornos físicos que não obedecem a nenhuma lesão orgânica concreta). Também podem ser chamados de transtornos neurovegetativos, tratando-se, principalmente, de perturbações cardiovasculares, respiratórias, gastrintestinais (em particular, náuseas e vômitos ou dores na região do estômago), distúrbios sexuais ou urológicos, dores musculares cervicais e dorsais, dores de cabeça (ou mesmo enxaquecas) ou alterações do sono. Estes distúrbios somáticos são muito variáveis e podem surgir apenas em determinados momentos. Também podem estar no primeiro plano das preocupações da pessoa, como máscara para o verdadeiro problema: a ansiedade. De fato, é comum que, quando vá ao médico para pedir ajuda, fale apenas do seu mal-estar físico, podendo induzir o especialista em erro e fazê-lo passar ao largo da causa subjacente aos distúrbios, ou seja, a ansiedade.

O risco de suicídio
É importante saber que a depressão pode levar ao suicídio. As estatísticas são alarmantes: mundialmente, o suicídio é tido como a terceira causa de morte entre os adolescentes e os jovens adultos, sendo a oitava causa de morte em todas as idades. Estima-se que, todos os anos, morra cerca de um milhão de pessoas por suicídio. No nosso país, em 2003, registaram-se 1 148 suicídios (ou seja, 11 mortes por cada 100 mil portugueses). No Brasil, estima-se uma taxa de 7,2/100.000 habitantes. Esta taxa deve ser ainda mais elevada, já que a maioria dos casos de suicídio é reportada como morte natural.


A DECO PROTESTE conduziu, há algum tempo, um inquérito sobre suicídio em Portugal. Verificou-se então que mais de 40% das pessoas com ideias suicidas não falaram com ninguém sobre o assunto. E três em cada 200 pessoas afirmaram ter tentado o suicídio nos 12 meses que precederam o estudo (para mais informações, não deixe de ler o artigo “Prevenir o suicídio”, na revista Teste Saúde n.º 44, de Julho de 2003).

Em final de 2005, o Ministério da Saúde montou um grupo de trabalho com a finalidade de elaborar um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, com representantes do governo, de entidades da sociedade civil e das universidades. Em 14 de agosto de 2006 foi publicada uma portaria com as diretrizes que deverão orientar tal plano. Os principais objetivos são 1- desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida e de prevenção de danos, 2- informar e sensibilizar a sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido, 3- Fomentar e executar projetos estratégicos nos casos de tentativas de suicídio, 4- Promover a educação permanente dos profissionais de saúde da atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, entre outros. O Brasil será o primeiro país da América Latina a elaborar e a executar ações de prevenção do comportamento suicida, com o lançamento do manual de prevenção de suicídio destinado a equipes de saúde mental e uma bibliografia comentada sobre comportamento suicida para o final deste ano.

A depressão é uma das principais causas de conduta suicida. Estima-se que metade dos casos de suicídio esteja associado a depressões. Entre outros motivos, encontram-se distúrbios psicossomáticos (como a esquizofrenia) ou doenças incuráveis, em que o doente não sente forças para suportar o sofrimento até o fim.

Da depressão ao suicídio
Antes de julgar um comportamento suicida, é preciso compreendê-lo, bem como a sua relação com a depressão. É freqüente haver pensamentos de suicídio nos casos de depressão grave. Por estar desesperada, a pessoa encara a vida como um fardo pesado demais para suportar. Sente-se tão cansada e pouco digna de viver que nem sequer pondera a possibilidade de encontrar uma solução para os seus problemas e, ainda menos, de colocá-la em prática. O suicídio – ou seja, a destruição da vida – surge-lhe então como a única saída possível. A sua impotência, real ou imaginária, pode conduzir a pessoa a angústias muito profundas, que a arrastam como uma corrente. É nesta altura que pode procurar a morte num ato impulsivo. Mas, pelo contrário, também pode premeditá-la lentamente, de forma minuciosa.
De qualquer forma, algumas tentativas de suicídio não têm por base uma vontade real de procurar a morte. O exemplo típico desta situação é a ameaça de suicídio mencionada durante uma discussão entre um casal. Nesse caso, o objetivo é provocar no outro um sentimento de culpa ou remorso, para obrigá-lo a mudar de atitude. Assim, o ‘candidato’ ao suicídio não deseja realmente a sua própria morte, mas principalmente assustar o outro e fazê-lo imaginar o seu desaparecimento, numa tentativa de sensibilizá-lo. Porém, é preciso reforçar que isso não significa que a pessoa não cumpra as ameaças, no caso de ver os seus esforços irem por água abaixo. O ideal é conversar com a pessoa, apoiando-a e encorajando-a a procurar ajuda profissional.
E atenção: é errado pensar que quem fala em suicídio nunca o cometerá. Sabe-se que a maioria das pessoas que tentaram o suicídio falaram sobre isso com os seus parentes e/ou amigos nos dias que precederam o ato. Algumas chegaram a consultar um médico, embora queixando-se apenas de problemas somáticos.

Prevenção do suicídio
A pessoa que manifesta idéias ou comportamentos suicidas tem sérias dificuldades em comunicar o seu desespero: não sabe nem como nem a quem transmitir os seus sentimentos. Exatamente por esse motivo, bem como por haver poucas ações preventivas neste âmbito, surgiu a idéia de criar unidades de prevenção do suicídio, cada vez mais freqüentes nos hospitais e outras instituições. O seu objetivo é atuar como centros de ajuda e de intervenção em momentos de crise, recorrendo ao telefone como meio de comunicação e permitindo que a pessoa permaneça no anonimato. O seu verdadeiro propósito é abrir uma porta, ao sugerir uma terapia mais profunda. Pode encontrar alguns contactos deste tipo na pág. 125.

No Brasil, contamos com o CVV - Centro de Valorização da Vida como instituição, é reconhecido como Entidade de Utilidade Pública Federal pelo Decreto Lei nº 73.348 de 20 de dezembro de 1973, e desenvolve também outras atividades filantrópicas como o
Hospital Francisca Julia, para doentes mentais sem recursos.
Quanto ao CVV, que é um programa de prevenção ao suicídio e valorização da vida, adotado por diversas instituições mantenedoras pelo Brasil, e concretizando-se como Posto CVV, se caracteriza por ser movimento filantrópico, civil sem fins lucrativos e desvinculado de religiões e política.
Conta com 2500 voluntários, 57 postos distribuídos pelo Brasil, que colocam-se gratuitamente a disposição de todos que sentem solidão, angústia, desespero e desejam desabafar.
Postos de AtendimentoAqui encontra-se uma lista com todos os postos CVV no Brasil.Nada é cobrado pelo serviço oferecido pelos voluntários que estão sempre disponíveis.Paga-se apenas a tarifa telefônica normal.
Amapá
Minas Gerais
Paraná
Bahia
Mato Grosso
Rio de Janeiro
Ceará
Mato Grosso do Sul
Rio Grande do Norte
Distrito Federal
Pará
Rio Grande do Sul
Espírito Santo
Paraíba
Santa Catarina
Goiás
Pernambuco
São Paulo

(21Telefone do CVV no Rio de Janeiro: (21) 2233-9191
em São Paulo: (11) 3151-4109

O deprimido e a sua família
Para a própria pessoa, é difícil reconhecer uma depressão, mas também o é para aqueles que a rodeiam e, por vezes, até para o médico. Contudo, é fundamental tomar medidas, porque não é só a pessoa deprimida que sofre, mas também os seus familiares. No meio familiar, a pessoa deprimida não é necessariamente a vítima, nem compete à sua família sentar-se no banco dos réus. Contudo, em circunstâncias difíceis, tanto as pessoas chegadas à família como a opinião pública tendem, com facilidade, a apontar o dedo a um ‘culpado’, sem tentar ir além de uma explicação simplista e superficial. A verdade é sempre um pouco mais complexa. Além disso, a atitude acusatória não é eficaz: não só impede a reflexão sobre as interações entre os membros da família, como também a procura de soluções construtivas. E acaba contribuindo para acentuar ainda mais o estado depressivo do doente no seio da família.

Atitudes freqüentes da família com o deprimido
O tratamento da pessoa deprimida será objeto de um capítulo específico. Ainda assim, ‘denunciamos’ desde já duas das atitudes ou formas mais comuns de reagir diante da situação.

A atitude voluntariosa
Algumas pessoas acreditam que basta um pouco de força de vontade para melhorar. Por isso, repetem dia após dia à pessoa deprimida frases como “anime-se, não fique para baixo” ou “reaja, faça alguma coisa”. Mas é justamente aí que se mora o perigo: a pessoa deprimida se sente realmente cansada, tende a desistir diante das dificuldades e perde mesmo a vontade de viver. Em outras palavras, a atitude voluntariosa exige do deprimido precisamente o que ele não consegue fazer.

A atitude superprotetora
Outra atitude que não promove a resolução do problema consiste em acreditar que o descanso pode remediar tudo. Na verdade, o deprimido já tem uma tendência exagerada para se fechar em si próprio e viver à margem do resto do mundo. Aconselhar repouso é uma atitude ‘protecionista’, que mantém a pessoa deprimida longe dos estímulos da vida, dos quais, diga-se de passagem, todos precisamos. Se esta atitude de proteção se tornar sistemática, corre-se o risco de fazer com que a pessoa deprimida se demita das suas responsabilidades e se torne dependente do seu conselheiro ou confidente protetor.

BOX 1
Quando alguém declara “vou me suicidar”, deve subentender-se “me escuta”. Mesmo que não seja certo que a pessoa passe ao ato, é fundamental permanecer atento e prudente. Esta ameaça não deve ser desvalorizada.

BOX 2
Alguns exemplos de pedidos de socorro
Os exemplos seguintes refletem o estado de espírito de algumas pessoas à beira do suicídio que procuram ajuda por contatos telefônicos, como os centros de valorização da vida - CVV

Um luto que se eterniza
Ligação de uma mulher angustiada, 24 anos, professora universitária. Diz que não agüenta mais. Está desesperada, pois recebeu uma advertência da diretora: comete erros, não consegue se concentrar, seus alunos perceberam isso e estão tirando proveito da situação. Os colegas não a entendem, está sozinha. Se continuar assim, em breve perderá as forças para ir trabalhar.
Tudo começou há quatro anos, quando a mãe morreu. Era a única pessoa com quem mantinha uma relação profunda e sincera. Depois da sua morte, dedicou-se ao trabalho e aos alunos. Tem consciência de que a sua vida profissional procurava compensar a afetiva. Sente-se prisioneira e só pensa no pior. Quer sair desta situação, mas não sabe por onde começar nem o que fazer.
A pessoa que a atende a faz ver que a advertência foi, de certo modo, a gota d’água e que, por trás disso, há outra coisa: uma depressão. Diz também que a depressão é algo que se pode curar. Fala ainda sobre uma terapia e, como a professora demonstra estar muito interessada, lhe dá várias indicações de profissionais. Semanas mais tarde, ela volta a ligar para contar que tinha começado um tratamento e que se sente muito melhor.

O peso de uma herança doentia
Ligação de uma mulher angustiada, que fala de forma trôpega. Sente-se desanimada. Afirma sofrer de um tipo especial de depressão, uma psicose maníaco-depressiva, devido à qual está em tratamento com um psiquiatra que lhe receitou lítio. Nesse momento, sente-se muito perturbada por circunstâncias familiares difíceis. Está atravessando uma crise terrível de angústia e pensa em se suicidar. Sabe que a sua reação é desproporcional em relação aos acontecimentos, mas é incapaz de se controlar. Sente pânico e precisa falar com alguém, porque acha que pode cometer uma loucura. O seu passado a envolve terrivelmente: dois irmãos já cometeram suicídio. Perdeu a mãe quando tinha seis anos. Tem a sensação de que a fatalidade, uma maldição, pesa sobre a sua família. Outra irmã também sofria de depressão e morreu num hospital psiquiátrico. Apesar dos seus esforços, teme não conseguir fugir de um destino parecido.
Após desabafar de uma só vez, a mulher parece sentir-se aliviada e consegue trocar alguns comentários com a pessoa que a atende. Confessa então se sentir melhor e recuperar uma perspectiva mais realista das coisas quando pode falar com alguém em plena crise de angústia. Sabe quando entra em ‘desvario’ e quando está dramatizando os acontecimentos. Tentou contatar o seu psiquiatra, mas ele não estava disponível. Não queria que o seu marido a visse naquele estado, para não descarregar a angústia sobre ele. A doença já prejudicou bastante a relação do casal. Agradece à pessoa que atendeu à chamada e despede-se mais calma.
BOX 3
Para conseguir que o estado da pessoa deprimida melhore, é preciso, antes de mais, fazer com que deseje mudar. Para tanto, convém ir ao seu encontro, tentando compreender as suas necessidades e ajudando a procurar soluções, a partir da sua situação concreta. Por vezes, isso significa simplesmente ouvir a pessoa.

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