sábado, 7 de março de 2009

TDAH/I na Escola - caso clínico
TDAH / DDA / TDAHI - na escola, em casa e no dia-a-dia
(“O que há alguns anos poderia parecer rebeldia, preguiça ou falta
de interesse, foi identificado há quase um século e hoje sabemos que se trata
de um transtorno provocado por alterações no desenvolvimento de algumas áreas cerebrais...”)


O CASO DE WELLINGTON
Outro dia, eu estava pensando nas crianças que muito freqüentemente são desatentas e não percebem detalhes, cometendo erros bobos em provas por não prestarem atenção e se distraindo até com o barulhinho do vento; nas que vivem com manchas roxas no corpo por serem desajeitadas e que, sem querer, batem nas quinas de móveis, mesas, maçanetas e outros objetos do tipo. À bem da verdade, todos os dias eu atendo casos de crianças “de todo jeito”. Desde os mais “leves”, até casos que poderiam resultar em tragédia, como é o caso de Maria de Deus e seu filho Wellington, que eu vou resumir aqui para vocês.

“Há alguns anos, eu fui procurada por Maria de Deus, mãe de Wellington, seu filho único de 10 anos e aluno da terceira série de uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro. Maria de Deus se queixava de que o filho, desde pequeno, chorava muito, não se consolava com nada e que nunca estava bem, nem mesmo quando ela o pegava no colo. Disse que ele custou um pouco a falar, mas que hoje em dia ele fala “pelos cotovelos”. A mãe disse também que ele sempre foi muito levado, irritado e inquieto, até dormindo. Wellington foi fruto de um ”caso” e o pai, sabedor da gravidez, está desaparecido até hoje. Maria de Deus é sozinha, não tem ajuda de ninguém e trabalha para sobreviver. Botou o filho, aos 2 anos numa creche, mas ele era muito levado e destruía tudo, batia nas outras crianças e tanto perturbou que foi expulso. Ela confessa que não tem mais paciência e que não sabe mais o que fazer. “Perco a cabeça e grito com ele, bato, belisco, empurro e xingo o menino de todos os nomes que me vêm à mente: maluco, burro, desmiolado, surdo, tapado, desajeitado, peste, castigo da minha vida, inútil, porco, ...” Ela fala repetidamente que está esgotada e que muitas vezes tem vontade de acabar com a vida dos dois. “A minha vontade é de largar tudo e não voltar, mas eu tenho medo do que possa acontecer com ele, ...” Disse que a falta de dinheiro piorava ainda mais as coisas, fazendo com que ela ficasse com mais raiva. Curiosamente, ela também falou que o filho era uma criança “do bem” e que era afetuoso e carinhoso com ela, mas que nada dava certo porque ele era “daquele jeito”. Disse que ele detesta a escola, que “mata aula” e que não aprende nada e que lê e escreve muito mal. Na semana anterior, ele havia esquecido o fogo aceso por duas vezes, sendo que da última vez a coisa “ficou preta”. O fogão explodiu, queimou tudo e até os vizinhos intervieram, no sentido de que Wellington era muito “avoado” para ficar sozinho e fazendo as coisas em casa...

QUANDO A CRIANÇA É CONSIDERADA CRIANÇA-DIFÍCIL
Caro leitor, casos assim e outros até mais dramáticos são muito mais freqüentes do que podemos imaginar. Ocorrem diariamente e perto de nós, muitas vezes diante dos nossos olhos, a poucos quilômetros de onde trabalhamos ou moramos, com todo conforto e qualidade de vida. Se formos pensar no caso emblemático de Maria de Deus e seu filho, sozinhos e desamparados no mundo, com situação financeira sofrível, o que poderíamos fazer?
O que você faria se fosse tratar o Wellington e sua mãe, que visivelmente também precisa de ajuda, por estar deprimida e emocionalmente perturbada? Qual seria o ponto de partida? E depois, o que precisaria ser feito? Como, com quem e aonde, dar-se-ia prosseguimento ao tratamento? Casos assim são popularmente considerados de “crianças-difíceis” ou de “crianças-problemas”.
Por “crianças-difíceis” eu aqui me refiro a crianças e adolescentes que se mostram muito freqüentemente desatentos, impulsivos, hiperativos e ou opositores, desafiadores e com uma gama de problemas no aprendizado e dificuldades nos relacionamentos afetivos e sociais. Não raro, algumas delas podem estar fazendo uso de álcool, drogas ou sofrendo violência doméstica, abusos sexuais ou incorrendo em condutas socialmente inaceitáveis como mentir, roubar, destruir patrimônios alheios e maltratar os mais fracos, sem nenhuma demonstração de medo frente ao perigo, e, por isso mesmo, se expondo recorrentemente a situações de risco. Muitas vivem em comunidade e são obrigadas a conviver diariamente com barulho de tiros, tiroteios, balas-perdidas e ameaças de traficantes. Outras se caracterizam por serem deprimidas, ansiosas, inseguras e imaturas, sentindo medos, fobia, pânico, traumas e toda sorte de preocupações, cismas, manias, tiques nervosos e outros problemas que serão abordados ao longo do projeto. Vale lembrar que é preciso haver sofrimento significativo e prejuízo funcional da criança ou do adolescente para configurarmos um transtorno.

TDAH E AS COMORBIDADES
Em Psiquiatria, um transtorno mental “puxa outros”. Essa é a regra do jogo, com a presença de parcerias indesejáveis, as chamadas comorbidades, que são doenças independentes, mas que costumam aparecer juntas no mesmo período de tempo. Assim, é comum que um jovem deprimido apresente um transtorno de ansiedade, bem como uma criança portadora de TDAH apresente um transtorno de aprendizado e um transtorno opositivo desafiador e ansiedade. E assim por diante.
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um transtorno neurocomportamental bastante heterogêneo e que se caracteriza por uma tríade sintomática que engloba a desatenção sustentada, a hiperatividade ou inquietude interna e a impulsividade ou prejuízo do freio inibitório. Ainda que o TDAH, em boa parte dos casos, curse com dificuldades no aprendizado e menor performance escolar, ele é um transtorno da realização, e não um transtorno de aprendizagem. É o transtorno mental mais comumente encontrado em ambulatórios de saúde mental da Infância e Adolescência, com uma prevalência média de 5% em crianças de idade escolar. É um dos transtornos mentais mais estudados hoje em dia e no mundo, com inúmeros estudos científicos validando a sua comprovação.

ELAS NÃO FAZEM NADA, TÊM OBRIGAÇÃO DE ESTUDAR E TIRAR NOTAS BOAS!
Quando problemas devidos a falta de atenção ocorrem nas crianças, a situação costuma ser muito constrangedora. Segundo afirmativa de muitos pais e professores, “as crianças não fazem nada, a não ser estudar” e por isso elas têm a “obrigação de aprender”. Inicialmente, ambos enumeram “dezenas” de motivos pelos quais as crianças não prestam atenção nas aulas, mas se o problema persiste, o desespero toma conta e todos querem achar um “culpado”. Vários adjetivos e múltiplos rótulos são dados à criança. Os adultos tendem a achar que sabem tudo e que estão sempre certos, o que agrava a situação, pois a questão se fecha “ali mesmo e pronto”. Não costuma haver boa vontade e muito menos o conhecimento para se dar conta de que o pano de fundo nada mais é do que a ponta de um iceberg...
A criança, pela própria condição biológica, muitas vezes não sabe se expressar. Não responde e não corresponde. A dinâmica familiar vai se desgastando a ponto de comumente vermos pais e filhos defensivos e reativos, sob um clima hostil e de tensão, em relação à criança. Filhos que não correspondem às expectativas dos pais, muito freqüentemente são rotulados e desacreditados, tanto em casa quanto na escola. Com o tempo, os pais, familiares, Educadores e os próprios portadores acabam se sentindo fracos, incompetentes, impotentes, ressentidos e fracassados, e o pior – continuam sem saber o que fazer.
O meu objetivo é o de ajudar crianças tidas como difíceis. Ajudar de modo consistente. Um modo que faça diferença na vida dessas crianças, seus familiares e Educadores.

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