quarta-feira, 17 de junho de 2009


Saúde mental sem atenção

O Jornal do Commercio, uma das principais publicações jornalísticas do estado de Pernambuco, veiculou hoje um editorial sobre a política de assistência em saúde mental no Brasil. O texto foi produzido com base em uma entrevista concedida à equipe do jornal pelo presidente da ABP, João Alberto Carvalho.

Leia abaixo o editorial:

Saúde mental sem atenção

Tomando por base o histórico da reforma da política de saúde mental no Brasil, ainda deve permanecer por um bom tempo a atualidade da entrevista, a este jornal, do pernambucano João Alberto Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. O processo lento das transformações exigidas numa área tão delicada como essa não é apenas lastimável, mas condenável. Como se os poderes públicos responsáveis pela saúde de todos os brasileiros não tivessem a noção da urgência que exigia a Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que deu uma nova direção à assistência em saúde mental, tendo por norte a extinção dos manicômios.Essa é uma história que vem de 1978, com o início de uma campanha, através do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), pelos direitos dos pacientes psiquiátricos. Passou a ser denunciada como escandalosa agressão aos direitos humanos a violência dos manicômios, parte de um cenário mais amplo e mais grave ainda, porque violência associada à mercantilização da doença mental, com o domínio de uma rede privada de assistência. Aqui mesmo, no Recife, se denunciava, então, o internamento de alcoólatras como portadores de transtornos mentais, submetidos a tratamento quimioterápicos muito próximos da lobotomia. Em 1987, o II Congresso Nacional do MTSM, em São Paulo, adotou como lema Por uma sociedade sem manicômio.Também em 1987 surgiu o primeiro Centro de Atenção Psicossocial, em São Paulo, e em Santos teve início um trabalho que se transformou no ponto de partida do processo de reforma psiquiátrica no Brasil. Ali o município passou a intervir em um hospital psiquiátrico onde se reproduzia o cenário comum a todo País, de maus-tratos e morte de pacientes. Foram implantados Núcleos de Atenção Psicossocial e criadas cooperativas com residências para os egressos do hospital. Dois anos depois, isto é, há 20 anos, o deputado Paulo Delgado, de Minas Gerais, deu entrada na Câmara Federal a projeto de lei regulamentando os direitos das pessoas com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios.A partir de 1992, movimentos sociais conseguiram aprovar em vários Estados as primeiras leis determinando a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos e começa a se definir uma política do Ministério da Saúde para a saúde mental. O projeto do deputado Paulo Delgado, porém, só foi aprovado 12 anos depois, mais um sintoma da ausência de consciência nacional para o problema da saúde mental. Tanto que, com mais de uma década de reforma psiquiátrica ainda são encontrados hospitais lotados de portadores de doença mental. A questão foi dirigida ao presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e ele explicou que houve nesse período a preconizada desospitalização, mas não foram progressivamente instalados ambulatórios e outras formas de hospitalização necess&a acute;rias e indicadas.Para o dirigente da entidade nacional de psiquiatria, a reforma não avançou porque faltou determinação para fazer em tempo apropriado a transição do sistema: “O discurso foi privilegiado. A lei existe e tecnicamente representa um avanço inédito, mas falta oferecer o que a lei determina”, disse João Alberto Carvalho. E como exemplo do descaso com que esse problema é visto, ele informa que a associação publicou em 2006 e entregou três vezes ao Ministério da Saúde diretrizes para um modelo de assistência em saúde mental, mas sem retorno. Faz parte dos estudos da associação o cuidado preventivo, com ações para crianças, escolas e populações de maior risco. Um modelo que não implica em grandes gastos, sequer uma pequeníssima fração do que se vai gastar par a organizar a Copa do Mundo de 2014. Mas essa é outra história.


NewsLetter da ABP de 10 de Junho de 2009

Associação Brasileira de Psiquiatria

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